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Olhares negros para transformar a educação e a ciência
Atualizado em 8 de fevereiro de 2023 às 11h16 | Publicado em 30 de novembro de 2020 às 21h17

Fechando o mês do Novembro Negro, compartilhamos histórias e depoimentos de docentes e pesquisadores do IF Baiano que tiveram suas trajetórias marcadas pela Educação.

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Em novembro de 2019, pela primeira vez, o IBGE anunciou que pretos e pardos são maioria nas instituições de ensino superior públicas brasileiras, representando 50,3% dos estudantes matriculados. Essa estatística mostra que décadas de luta e implantação de políticas públicas, como a Lei de cotas, começam a tornar a realidade do ambiente acadêmico mais compatível com a realidade brasileira, em que pretos e pardos correspondem 55,8% da população.

Mas, há muito o que mudar para que a notícia seja realmente boa. A porcentagem de negros nas instituições privadas ainda é de 46,6%. E quando falamos em pós-graduação, o grupo ainda representa menos de 30%, fazendo com que ainda seja pouco comum a presença de docentes e pesquisadores negros nas instituições brasileiras. A desigualdade aumenta ainda mais nos cargos de liderança e quando esses atores seguem para o mundo do trabalho. 

Qual o impacto dessa disparidade na produção de conhecimento (ciência) e transferência de saberes (educação)? Convidamos pesquisadores e docentes do IF Baiano para comentar o tema, contar suas trajetórias na pesquisa e vislumbrar caminhos para tornar a ciência e a educação no Brasil mais conscientes de sua identidade.

Débora Simões é professora de História no IF Baiano, Campus Guanambi. Está concluindo o doutorado em Antropologia Social e já pesquisou sobre comunidades quilombolas, baianas de acarajé e hoje investiga as festividades de Santa Bárbara. Ainda no ensino médio, começou a questionar como a História estava sendo contada em sala de aula. Por exemplo, sempre se referiam aos negros como escravos, e não como escravizados, o termo utilizado pela historiografia hoje. “[Escravo] é um termo errado porque remete a uma condição nata do sujeito. O africano, que foi tirado da sua terra natal e trazido para trabalhar forçadamente nas Américas, não nasceu escravo. Ele foi escravizado”, explica a antropóloga. “Então, os livros e como eu aprendi a história no meu ensino médio, me davam a suspeita de que poderiam ter mais histórias dentro daquelas histórias”.

O que me despertou para as minhas questões de pesquisa foi entender que a educação é um caminho emancipatório. E, certamente, meus temas de pesquisa foram direcionados pelo meu lugar social no mundo como mulher negra.” (Débora Simões, docente do IF Baiano no Campus Guanambi)

Formado em História, o docente Roberto Carlos Santos, do IF Baiano, Campus Governador Mangabeira, teve sua carreira como pesquisador iniciada após anos de experiência em sala de aula e suas questões de pesquisa passaram a refletir temas que se fortaleceram durante o período. “Lembro perfeitamente das lutas do movimento social, popular, pela implementação de políticas afirmativas, que era um debate que já acontecia no final dos anos 90 e que tomaram forma no início do século 21”. Mas, o fundamental foi a aprovação da Lei 10.639, de 2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-brasileira nas escolas, e que o levou a fazer uma especialização na área.

Durante essa trajetória, Roberto cruzou com muitos pesquisadores negros, grandes referências até hoje, mas relembra que “eles não eram vistos socialmente como negros”. A ainda desigual participação de negros no ambiente acadêmico encontra razões, segundo ele, na própria natureza da construção do conhecimento e da ciência moderna.

“Até trinta anos atrás, como a base científica de tradição eurocêntrica, liberal e estadunidense se criou numa concepção de que a ciência moderna tem paradigmas que expressam verdades e, dentre essas concepções de verdade, há a de que a ciência é ‘como se não tivesse cor’, como se não tivesse uma base geográfica. A ciência se impõe e se legitima pelo estatuto do método e esse método teve um berço: no Ocidente, na Europa e nos grandes centros, como Estados Unidos, Canadá. O que o nosso querido Boaventura de Sousa Santos chama de uma base epistemológica do norte, não apenas norte como uma referência geográfica, mas esta base que impôs um colonialismo do pensamento”, explica.

“A localização de professores negros, em determinados nichos de pesquisa, sempre foi mais acentuada na área das ciências humanas e sociais e na própria educação. Em certa medida, há uma divisão social do conhecimento posto na sociedade e aqueles que seriam os estudantes com menos possibilidade de ingressarem em cursos de maior prestígio buscam essas áreas.” (Roberto Santos, historiador, docente do IF Baiano e Coordenador da Pós-graduação em História e Cultura Afro-brasileira e Indígena)

Outro olhar negro trazido para o diálogo é o do egresso do IF Baiano, José Carlos dos Santos, que cursou ensino médio no IF Baiano, Campus Santa Inês. Hoje cientista, estuda o desenvolvimento de tratamentos para o câncer de próstata no Centro Alemão de Pesquisa do Câncer (DKFZ, na sigla em alemão).

O pesquisador trabalha no desenvolvimento de terapias para o câncer de próstata, que trazem um novo conceito, chamado de “teranóstico”. Tais terapias, ao mesmo tempo em que tratam o câncer, são capazes de fazer o rastreamento tumoral (diagnóstico). A primeira fase da pesquisa (clínica, com teste em um grupo de pacientes) já foi concluída e os resultados têm sido positivos.

“O que me despertou para a ciência e para as questões da pesquisa de hoje foi a necessidade e a carência de cientistas. E minha grande motivação foi saber que eu poderia usar meu conhecimento pra fazer algo para o mundo, tornar meu conhecimento instrumento, serviço, para cuidar do outro.” (José Carlos dos Santos, egresso do IF Baiano e pesquisador do Centro Alemão de Pesquisa do Câncer) 

Hoje pesquisador à nível internacional, Carlos não deixa de reconhecer que seu primeiro despertar para a curiosidade científica se deu no IF Baiano, Campus Santa Inês, nas aulas de Biologia da professora Laura. “Eu sou cria do IF Baiano. Participei de um projeto de pesquisa com plantas medicinais com a professora Laura Maria, de Biologia, e foi, na verdade, esse momento que me tornou e me empoderou para ser o cientista que sou hoje”, relembra.  

“Ainda não somos muitos dentro da pesquisa”, frisa Carlos, sobre a presença de negros na ciência. ”O conhecimento ainda é um privilégio dos brancos. Eu lembro de uma história muito marcante de quando trabalhei nos Estados Unidos. Eu não tinha nenhum colega negro no laboratório, eu era o único. Os negros que trabalhavam nesse hospital eram seguranças. De repente, no meu primeiro dia, às seis horas, entraram dezenas de mulheres negras para fazer limpeza. E quando elas me viram elas se assustaram, depois sorriram, porque elas se sentiram representadas”, conta. 

Caminhos para a consciência negra na educação e na ciência 

Como ampliar a consciência negra na ciência, na construção do conhecimento, na educação? Nossos personagens, que vivem, pesquisam, e praticam a realidade de ser negro nos ambientes acadêmicos e científicos, apontam caminhos e concordam no mesmo ponto: educação é a chave. 

Para José Carlos, é preciso inspirar crianças e jovens, desde a educação básica. “Melhorar a autoestima dos nossos alunos, dizer que eles são capazes, mostrar que eles precisam ocupar o espaço deles. Acredito também no papel das cotas, porque nós temos uma dívida muito grande. Sei que é uma forma de resolução de problemas a longo prazo, mas como temos uma dívida muito gritante, essa é também uma forma de amenizar essa dor.”

Para Débora, a começar, é preciso pensar na educação como um espaço antirracista. “O racismo precisa ser estudado. Muitos pesquisadores, negros e não negros também, escreveram livros com teorias muito importantes que a gente não estuda. A gente perceber que vive numa sociedade racista é um passo importante para lutar e ser antirracista”. Ela também pontua a necessidade de mais formação sobre a Lei 10.639/2003 para os professores que não são das ciências humanas. “Também para os professores das áreas de exatas, das áreas técnicas”, complementa.

O modelo de instituições formadoras como o IF Baiano, é um caminho, segundo Roberto Carlos. “Os nossos Institutos Federais, nessa atual configuração, desde 2012, são uma possibilidade que está na ordem da nossa utopia de criar uma educação pública de qualidade e que tem a superação daquilo que era uma lógica profissionalizante e tecnicista.”

E complementa: “Quando se tem estudantes que iniciam na pesquisa, entram na educação básica e podem fazer uma pesquisa de iniciação científica, recebendo uma bolsa do CNPq, do ponto de vista da curiosidade e da imaginação daquela criança pobre, negra, periférica, e que vai ter condições de fazer um curso de nivelamento, que vai ter condição de fazer um curso de língua estrangeira, essa é uma explosão de possibilidades.”

Fonte para os dados: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf

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