Cicatribio é feito com o látex da mangaba e nasceu a partir do amor de um neto pela avó
O gel para cicatrização desenvolvido pelo Instituto Federal Baiano – IF Baiano, CicatriBio, chega ao mercado na segunda semana de abril. O produto será, inicialmente, comercializado na versão para pets. A versão do gel para uso em humanos deve chegar ao mercado em junho. A eficácia do creme tem surpreendido positivamente os pesquisadores que desenvolveram o produto, pois a resposta ao uso do Cicatribio tem sido rápida mesmo em feridas complexas.
O tempo médio de cicatrização em feridas recentes é de 2 a 10 dias. Quando trata ferimentos de maior complexidade, a cicatrização pode ultrapassar esse prazo, mas, ainda assim, de acordo com os pesquisadores, os resultados são percebidos logo nos primeiros dias de tratamento. Nas feiras e mostras científicas pelas quais o Cicatribio tem passado, o produto vem chamando atenção e acumulando prêmios. A última premiação aconteceu semana passada na 21° Febrace, realizada na Universidade de São Paulo – USP, na qual a pesquisa ganhou o Prêmio de Ciência e Empreendedorismo e Inovação do Butantan e recebeu o convite para publicar o estudo no site do Fórum Intersetorial para Combate às Condições Crônicas Não Transmissíveis. Além disso, o projeto ficou em 4° lugar na classificação geral entre os 225 projetos de diversas áreas, apresentados na Febrace.
A pesquisa, que resultou no desenvolvimento do creme, originou também a primeira startup do IF Baiano. Uma startup é uma empresa recém-criada que tem um modelo de negócio inovador com potencial de crescimento rápido. De acordo com o orientador da pesquisa, Saulo Capim, o CicatriBio é um produto farmacológico para tratamento cutâneo extremamente inovador, pois oferta ao consumidor a possibilidade de acompanhar a evolução da ferida através de um aplicativo. O app já está disponível gratuitamente nas lojas de aplicativos para celulares e um QR Code, disponível na embalagem do produto, encaminha o usuário para a instalação do app.
No aplicativo, é possível fotografar a ferida dia após dia e acompanhar sua evolução. A tecnologia usa a Inteligência Artificial (IA) para analisar as bordas e dimensões da ferida e calcular o seu diâmetro, dando ao usuário e ao profissional de saúde um acompanhamento mais preciso da evolução da cicatrização. Atualmente, os profissionais de saúde fazem a medição da ferida com réguas descartáveis. Esse método, porém, de acordo com Saulo Capim, não é tão preciso quanto o cálculo pelo aplicativo e ainda existe o risco de contaminação pelo uso do instrumento.
Quem trabalha com esse tipo de cuidado não vê a hora de ter novas tecnologias no mercado. É o caso da enfermeira Carla Theresa Borba Leite, especialista em Enfermagem Dermatológica com Ênfase em Feridas: “Eu acho muito interessante isso de a gente medir profundidade e comprimento da ferida pelo celular, muito boa a proposta”. A enfermeira e médica veterinária, Carolina Figueiredo, ficou animada com a ideia do aplicativo, não apenas pela facilidade e assepsia, mas também pensando no arquivamento de dados para publicações acadêmicas. “Acho que vai facilitar bastante o acompanhamento da ferida e a discussão com outras pessoas sobre o caso”, afirma Carolina.
Para treinar o algoritmo para o reconhecimento e análise de ferimentos, foi utilizado um banco de imagens com 80 mil fotos de feridas. “Ouvir os relatos das pessoas que utilizaram a pomada, que já é um caso de sucesso, associado à possibilidade de usar uma tecnologia para tirar foto, acompanhando o processo e ter certeza que aquilo ali está evoluindo para um fechamento é muito gratificante”, conta o professor que orientou o desenvolvimento do app, André Rezende.
Os orientadores da pesquisa Saulo Capim e André Rezende, acompanhados da bolsista do projeto, a aluna do curso superior de Química do IF Baiano – Campus Catu Ana Luíza Souza, estiveram na reitoria na última sexta-feira, 17, para alinhar os últimos trâmites para que o Cicatribio-Vet chegue às lojas de produtos veterinários. O IF Baiano irá conceder licença do produto, patenteado pela instituição e aprovado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária para uso em animais, para que a startup Cicatribio possa fazer a comercialização.
Para chegar à fase atual da pesquisa, a composição do Cicatribio passou por testes biológicos, antimicrobianos e citotóxicos em laboratórios do IF Baiano, da Universidade Estadual de Santa Cruz e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e em laboratórios terceirizados. Os resultados comprovaram que o látex de mangaba apresenta alta viabilidade celular, ação bacteriostática contra cepas de bactérias e indução na produção de uma substância de fundamental importância no processo cicatricial de feridas – o óxido nítrico (NO).
Além das respostas rápidas e eficazes em feridas cutâneas, o Cicatribio, em testes, apresentou ação contra os parasitas da leishmaniose. A patente para tratamento dessa doença pelo Cicatribio já foi depositada e futuramente essa será uma das soluções trazidas pela pesquisa para a população.
Para Saulo Capim, as instituições públicas de pesquisa têm o papel fundamental de trazer soluções negligenciadas pelo mercado, como é o caso do tratamento da leishmaniose. “A Bahia é um dos estados do Brasil com os maiores índices de leishmaniose, mas ela é tida como doença de pobre, de pessoas que moram em locais de difícil acesso, onde falta saneamento básico”, explica o professor. Por isso, não há muito interesse privado no investimento de pesquisas sobre a doença, conclui o docente.
Pesquisa no Ensino Médio
A pesquisa nasceu de uma hipótese levantada pelo aluno de nível médio que, hoje, é egresso do IF Baiano, João Pedro de Oliveira. Através da observação de um corte numa árvore de mangaba, ele percebeu o poder regenerativo do látex liberado pela planta. O que moveu sua curiosidade foi a relação de afeto e cuidado com sua avó que sofre de diabetes. A dificuldade de cicatrização em pessoas diabéticas pode gerar feridas e até amputação de membros.
“Será que o látex que regenera o tronco da mangaba pode cicatrizar feridas em mamíferos?”, perguntou João Pedro ao professor Saulo Capim. O docente não sabia a resposta, mas convidou o aluno para pesquisar na literatura. Eles não encontraram materiais sobre o uso do látex da mangaba para esse fim, mas encontraram estudos sobre o látex da seringueira que indicavam bons resultados no uso farmacológico. Esse foi o indício que precisavam para seguir com a pesquisa e iniciar testes em laboratório.
“Eu vejo nos alunos de nível médio essa vontade de saber o porquê das coisas. E quando a gente traz eles pro chão da escola, leva para um laboratório, para fazer uma análise, fazer o processo de produção de uma pomada ou qualquer outro produto, ele começa a ver um horizonte na ciência”, relata o professor. Para Saulo, quanto mais cedo se der a inserção do indivíduo na ciência, melhor. Ele explica que o aluno que faz ciência no ensino médio chega à universidade com um olhar mais apurado para a pesquisa, conhecendo o funcionamento de um laboratório e entendo de metodologia científica.
Foi o que aconteceu com Ana Luiza Souza, técnica em Alimentos pelo IF Baiano – Campus Catu, e, atualmente, aluna da graduação em Química no mesmo campus. Ana Luíza começou a pesquisar durante o curso técnico integrado ao ensino médio e seu estudo sobre a ação da arruda no combate a carrapatos bovinos recebeu três premiações nacionais em primeiro lugar e foi finalista em evento internacional.
Com essa experiência, não foi difícil para Ana Luíza seguir trilhando o caminho de contribuir com pesquisas de ponta durante a faculdade. Contemporânea de João Pedro durante o ensino médio, a aluna chegou a dividir o laboratório com ele e auxiliá-lo em algumas atividades no início do projeto de pesquisa sobre cicatrização de feridas com o látex da mangaba. E, hoje, ela integra a equipe do Cicatribio como pesquisadora bolsista.
Ambos são da pequena cidade de Crisópolis, à 136 km de Catu, e levantaram hipóteses científicas a partir da observação empírica no contato com a natureza e com os saberes populares: ela sobre a folha de arruda, muito manipulada por sua avó para tratar doenças; ele sobre a mangaba. Na cidade, eles não tinham pesquisadores como referência. Foi no IF Baiano que a ciência tornou-se um horizonte para ambos, espelhando-se em pesquisadoras e pesquisadores da instituição que os influenciaram. “Eu acredito que minha trajetória é muito inspiradora. Eu estava lembrando da Ana Luiza de 16 anos que queria fazer pesquisa, uma pessoa muito motivada e empolgada, e eu acho que a empolgação dessa garota é o que me faz seguir hoje”, conta a pesquisadora.
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