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Entre fórmulas e sinais: Lucas Pereira é o primeiro licenciado surdo do IF Baiano – Campus Catu
Atualizado em 18 de dezembro de 2025 às 14h37 | Publicado em 18 de dezembro de 2025 às 08h32
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Em uma trajetória marcada pela superação de barreiras linguísticas e pelo fascínio pela ciência, o estudante surdo Lucas de Jesus Pereira defendeu seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com nota máxima no curso de Licenciatura em Química do IF Baiano – Campus Catu. A defesa ocorreu no dia 10 de dezembro e tornou Lucas o primeiro estudante surdo a concluir um curso superior na história do campus.

Sob orientação da professora Alexandra S. Carvalho, Lucas apresentou o trabalho intitulado “A Química do Perfume: uma experiência sensorial e inclusiva no ensino da EJA”. A banca examinadora, composta pelos docentes Aline Porto e Saulo Capim, destacou a relevância do tema e a qualidade da apresentação. Segundo os avaliadores, a pesquisa se sobressai não apenas pelo rigor acadêmico, mas também pela sensibilidade ao propor metodologias que integram experiências sensoriais ao ensino de Ciências, fortalecendo práticas inclusivas na Educação de Jovens e Adultos (EJA).

O interesse pela Química surgiu quando Lucas viu na TV algo sobre o curso. Identificando afinidade com a área, Lucas alimentou o desejo de ingressar na graduação, ainda que tomado por dúvidas: “Será que eu consigo? Eu posso!”. Decidido, inscreveu-se no Enem e, apesar das preocupações com a redação — já que a Libras é sua língua principal e o português, sua segunda língua — obteve um bom desempenho e conquistou a vaga.

“No início, nas primeiras aulas, eu fiquei muito curioso, tentando aprender o máximo possível e acompanhar todo o processo. Aos poucos, fui percebendo o quanto eu gosto de Química. Quanto mais eu estudava e me empenhava, mais eu gostava”, relata. Lucas conta que, embora tenha passado um período sem intérprete de Libras no início do curso, até que a instituição providenciasse o profissional, sempre recebeu apoio e acolhimento do IF Baiano. Ele destaca a atuação da professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE), Patrícia de Oliveira, que o orientava sobre seus direitos e auxiliava os docentes na adaptação de materiais. “Eu orientava os professores sobre os direitos de Lucas, explicava sobre como deveria ser a adaptação das atividades e das avaliações de forma geral, explicava nas reuniões que a Libras não é português sinalizado e que muitas palavras – principalmente termos técnicos – não possuíam sinais correspondentes na Libras. Também explicava sobre a importância de se utilizar um vocabulário mais acessível. Em relação à Lucas, eu o orientava sobre seus direitos, sobre a importância de dialogar com os professores para que todos pudéssemos entender quais eram suas necessidades e, desta forma, planejar ações educativas mais efetivas. Como coordenadora do Napne, eu atuava em busca da contratação de intérpretes e também no apoio a eles”, explica a professora.

Enquanto não chegava intérprete de Libras para a sua Licenciatura no período noturno, Lucas marcava atendimento para tirar dúvidas com os professores no período da tarde e pedia o apoio dos intérpretes dos cursos de nível médio, que atuavam de dia. Com muito esforço e dedicação, Lucas foi superando cada uma das dificuldades. Recebendo o suporte dos intérpretes de Libras, da equipe do AEE e da instituição, Lucas seguiu firme na graduação, sem cogitar a desistência. “Em um ambiente acadêmico ainda em adaptação, Lucas encontrou ao longo do percurso muitas barreiras, mas nunca permitiu que elas definissem seu limite e o fizessem desistir. Eu percebia nele uma sede de aprender que era maior que qualquer obstáculo. Ele não esperava, ele buscava, perguntava…”, conta o intérprete de Libras que o acompanhou durante o curso, Alan Xavier.

Mesmo observando a evasão de muitos colegas ao longo do curso, Lucas manteve-se motivado. O desejo de se tornar professor foi um estímulo constante, reforçado após a realização das oficinas de Química dos Perfumes com turmas da EJA, que resultam em seu TCC. A proposta despertou curiosidade e interesse dos estudantes, tornando conceitos complexos mais acessíveis por meio da prática e da experiência sensorial. A pesquisa permitiu a Lucas investigar como a produção de perfumes pode contribuir para a compreensão de conteúdos químicos e para o desenvolvimento de práticas pedagógicas inclusivas. Diante dos bons resultados obtidos com estudantes ouvintes, ele passou a refletir sobre o potencial ainda maior dessas metodologias junto a alunos surdos. “Eu pensei que não existem muitos professores surdos na área de Química. Isso me motivou ainda mais a concluir o curso e dar aulas”, afirma.

Segundo Lucas, o maior desafio do TCC não esteve nas oficinas, mas na escrita do trabalho. “Eu fiquei muito preocupado com o texto. Em alguns momentos, com questões da Língua Portuguesa, achei que ia ser difícil conseguir concluir. Mas, atento aos meus direitos e com as orientações que recebi, consegui melhorar meu desempenho, adaptar meu trabalho e preparar apresentações interessantes”, explica. Ele ressalta que o português segue sendo um desafio: “Pensar em português e conectar com as ideias em Libras é cansativo e, às vezes, parece impossível. Mesmo assim, quero me desenvolver cada vez mais na língua portuguesa para vencer esses desafios”.

A dificuldade de leitura e escrita em português por pessoas surdas cuja língua principal é a Libras está relacionada ao fato de o português ser uma segunda língua (L2), aprendida sem o apoio do som. Enquanto a Libras é uma língua visual-espacial, com estrutura gramatical própria, o português se organiza de forma distinta, com flexões verbais, artigos, preposições e conectivos que não aparecem da mesma maneira na língua de sinais. Além disso, pessoas ouvintes costumam aprender a ler associando letras a sons, por meio da chamada rota fonológica, inacessível a muitos surdos sinalizantes. Assim, a leitura ocorre majoritariamente pela rota visual-semântica, o que torna a produção de textos longos um processo que exige grande esforço cognitivo. Nesse contexto, a escrita de um TCC representou um desafio significativo para Lucas — superado com êxito.

Para a diretora do Campus Catu, Geórgia Xavier, a conquista de Lucas simboliza um avanço importante nas políticas de inclusão e acessibilidade do IF Baiano. Ela parabeniza o novo licenciado, sua orientadora e destaca a atuação dos Tradutores e Intérpretes de Libras, “cuja colaboração foi fundamental ao longo de toda a trajetória acadêmica do estudante, garantindo a comunicação e o acesso pleno ao conhecimento”.

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