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Das aulas de artes no IF Baiano até a exposição em programa televisivo nacional: conheça a trajetória do artista Alex da Hora
Atualizado em 1 de junho de 2023 às 10h16 | Publicado em 1 de junho de 2023 às 10h16

O artista baiano da comunidade Quilombola do Barroso é egresso do IF Baiano e estuda Belas Artes na UFRJ

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Olhares expressivos, corpos negros, frutas tropicais e cenas de um cotidiano rural  picelados em óleo sobre tela compuseram o cenário do Encontro com Patrícia Poeta, na última sexta-feira, 26. O autor das obras é o artista baiano Alex da Hora, de 23 anos. A história do artista até receber o convite para expor no programa televisivo de alcance nacional é cheia de desafios e superações e passa pelo IF Baiano.

Alex é o segundo dos seis filhos da lavradora Andra Lemos da Hora. Viúva, Dona Andra criou os filhos sozinha nas comunidades quilombolas do Barroso e do Ronco, na zona rural de Camamu – BA. Alex cresceu em contato com a natureza, ajudando a mãe na lavoura, brincando livre com seus irmãos. “Eu vivia muita coisa com meus irmãos, a gente estava sempre pescando, passeando pela mata, aprontando, plantando coisas com minha mãe e eu gostava muito de desenhar plantas, peixes, coisas que a gente fazia no cotidiano”, conta o artista. 

Perto de sua casa havia uma estufa de secar cacau e o menino introspectivo, que amava desenhar e ler, costumava pegar carvão vegetal na fornalha para fazer seus desenhos. “Eu pegava esses carvões e ficava desenhando peixes, mas não era nada sério, era só um momento de diversão para mim. Até porque eu nem sabia ao certo o que era arte, minha mãe é analfabeta, eu sou o primeiro da minha família a entrar numa universidade e até a concluir o ensino médio mesmo”, relata.

Ingresso no IF Baiano
Mesmo sem referências de universitários na família, Alex tinha o sonho de fazer um curso superior e traçou um caminho para conquistá-lo. “Eu entendia que  estudando num colégio estadual eu nunca conseguiria, minha mãe também não tinha condições de pagar colégio particular. Eu estudava muito em casa, lia muito literatura russa, francesa, inglesa e tinha muito interesse em aprender mais; andei pesquisando e vi que os colégios federais eram melhores, que tinha o IF Baiano em Valença próximo e que eu poderia ir pra lá”, conta.

Assim que ingressou na Rede Federal, seu talento para a pintura foi notado pela professora de Artes, Nelma Barbosa, que buscou incentivá-lo, fazendo ele trabalhar não apenas a técnica, mas o olhar para si. “No meio de uma atividade de artes, ele se apaixonou pelo Sebastião Salgado e a gente foi percebendo que era preciso ter um olhar diferente [para Alex], porque além de apaixonado como espectador, ele também era apaixonado pelas técnicas de artes”, conta a professora. 

Ainda que o curso técnico de Alex, Técnico em Agropecuária, não tivesse relação com sua arte, estar numa escola profissional que tem o trabalho como princípio educativo o impulsionou a se profissionalizar, pois esta era uma preocupação dos seus educadores. Ele participou de projetos de pesquisa e extensão e sua orientadora, a professora Nelma, conta que a cobrança sobre suas participações nesses projetos era focada na sua profissionalização no campo das artes. 

“Assim que começou a participar dos projetos, ele passou a comercializar pequenos trabalhos de artes, porque a ilustração científica exige domínio técnico de desenho e pintura. Então, a cada técnica nova que ele aprendia, era revertido em trabalho profissional próprio”, explica Nelma. A bagagem de pesquisador e extensionista em ilustração científica que desenvolveu no IF abriria portas para que Alex mais tarde se tornasse bolsista na Fiocruz – RJ, no principal centro da ilustração científica do país.

Ao participar de atividades em sala de aula, projetos de pesquisa e extensão e discussões pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas, Alex foi desabrochando como artista, como pessoa e também como quilombola. Sua professora conta orgulhosa que acompanhou o processo de desabrochar do aluno até ser o artista que é hoje: “um Alex que cria, que caminha, que luta e que fala de tudo, de si, principalmente, de sua gente, e que não esquece e não vai esquecer de onde veio e porque veio”, relata a professora.

Escola de Belas Artes
Não esqueceu mesmo. O artista ingressou na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2020, uma escola que se origina na Escola Real das Ciências Artes e Ofícios, criada por D. João VI, em 1816. Mesmo distante de casa, Alex continua intimamente ligado à sua terra, a suas origens. Suas obras retratam sua família, suas experiências no Quilombo do Barroso, suas lembranças e vivências no campo. 

Para Alex, não foi fácil migrar e ser um quilombola nordestino em uma escola tradicional e elitista de Artes, em um dos cursos mais caros da UFRJ (pelas despesas com materiais didáticos), mas o artista tem conquistado seu espaço. “Eu não tinha pai, tenho uma mãe que sempre me apoiou nas palavras, sempre foi amorosa, mas nunca pôde me apoiar financeiramente e eu que tinha que me virar, trabalho desde os 11 anos, saí de casa cedo, estou me virando no mundo e estou alcançando minhas coisas”. 

Para ele é incrível estar na UFRJ e conquistar tudo o que vem conquistando, mas ele vê todos os dias estudantes pobres desistindo, ficando para trás. Ser a exceção inspira, mas também incomoda. “Nem todo mundo fica feliz, né? Eu sou o estereótipo do nordestino baiano, quilombola, bobinho. As pessoas sempre me viram assim, como o bobinho, e de repente você começa a ganhar destaque… nem todo mundo fica feliz com isso, infelizmente essa é a realidade e eu tenho que suportar, já sofri muito preconceito e continuo sofrendo, sei que vou sofrer pro resto da vida”.

Duas de suas principais referências atualmente são artistas negros formados nessa mesma escola que, como Alex, enfrentaram o racismo e as consequências de desafiar a ordem e o destino traçado para corpos como o seu: Artur Timóteo da Costa (Rio de Janeiro, 1882 – 1922) e Estêvão Roberto da Silva (Rio de Janeiro, 1845 – 1891). Em um desses casos de racismo, Estevão Roberto da Silva foi preterido em uma premiação, na qual era reconhecido por seus pares como o melhor, e, ao receber um prêmio inferior ao merecido, recusou diante do imperador Dom Pedro II.

“Eu sou a personificação desse outro lado do Brasil que não deveria dar certo e quando a gente dá certo, incomoda muita gente”, afirma Alex. Artur Timóteo da Costa, Estevão Roberto da Silva e Alex Matheus da Hora fizeram seus corpos excluídos chegarem a lugares inimagináveis para muitos dos seus e, através da pintura, levaram a beleza, a alegria e a dor, a humanidade e o brilho de corpos como os seus para muitas pessoas. 

O Alex menino não imaginava que iria estudar na Escola de Belas Artes da UFRJ pelas condições de sua família, mas acreditou em seu talento e buscou os seus sonhos. “Eu sempre acreditei em mim, nunca duvidei. Quando a gente tem um objetivo e passa a visualizar isso, todo o sofrimento, toda a dificuldade que a gente enfrenta passa a ser suportável e comigo foi assim: a professora Nelma sempre identificou o meu talento, eu passei a ver isso também em mim e hoje eu me acho incrível, eu sei que posso alcançar muitas coisas”. Os planos futuros do artista baiano que, ao ver seu corpo em movimento, aprendeu a sonhar é expor suas obras em galerias nacionais e um dia chegar às principais galerias do mundo.

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