Temas atuais e globais foram debatidos a partir das contribuições de especialistas de instituições externas e comunidade do IF Baiano durante os dois primeiros dias de Congresso do IF Baiano – Ensino e Pesquisa, como a participação das mulheres nas carreiras científicas e as transformações das práticas de leitura com as tecnologias digitais. Nomes como o do historiador francês e referência da área de linguagens, Roger Chartier, abrilhantaram as discussões.
Mulheres na ciência
A manhã do segundo dia de Congresso foi marcada pela discussão sobre mulheres na ciência com a mesa “Ciência: substantivo feminino”. A mesa reuniu duas gerações de pesquisadoras: a geração das docentes Eliana Alcântara Lisboa do IFBA e Felizarda Viana Bebé do IF Baiano – Campus Guanambi e a geração das alunas Ana Luiza de Souza dos Santos do Curso de Licenciatura de Química do IF Baiano – Campus Catu e Carolina Costa Silva do Curso Técnico Integrado em Administração do IF Baiano – Campus Teixeira de Freitas.
Se as docentes Eliana e Felizarda, formadas respectivamente em física e agronomia, cursos predominantemente ocupados por homens, não encontraram um caminho fácil até a ciência, a geração de Ana Luiza e Carolina, que fazem iniciação científica desde o ensino médio, teve caminhos abertos por essas e outras mulheres cientistas, mas ainda luta por uma ocupação mais justa dos espaços acadêmicos.
Os dados apresentados por Eliana e Felizarda demonstram que a participação das mulheres na ciência, especialmente, em algumas áreas como as chamadas “ciências duras” é ainda bem menor que a dos homens, devido a dificuldades culturais e sociais enfrentadas pelas mulheres. No entanto, Eliana ressalta que a ciência surge do olhar humano para os fenômenos e de sua curiosidade em observar, selecionar, documentar, comparar e entender os eventos ao seu entorno. “A ciência nunca foi particularidade masculina, ela sempre foi tanto de homens, quanto de mulheres, na medida em que ela surge de curiosidades que tanto homens como mulheres têm”, conclui a docente.
Ana Luiza ilustrou bem essa curiosidade ao contar que seu despertar para a ciência foi a partir de um evento cotidiano num dia de férias na casa da avó. A jovem cientista observou sua avó colocando o sumo da folha de arruda no ouvido de uma criança que chorava e se queixava de dor. Ana Luiza se intrigou ao perceber que, passado algum tempo, a criança brincava sem queixas de dor. Curiosa, ela se perguntava como teria agido a planta no combate à dor de ouvido.
A aluna desconhecia as propriedades analgésicas da arruda, mas logo se pôs a pesquisar e, assim que voltou de férias, procurou um professor com experiência na área para ajudá-la a entender o fenômeno. O docente a orientou a fazer um levantamento bibliográfico sobre a planta. Nesse estudo, ela descobriu que além das propriedades da arruda já popularizadas para tratamento da saúde, ela também tem um princípio ativo que retarda as funções vitais de insetos e pragas. Não demorou para que aluna e professor achassem uma aplicação prática para os novos conhecimentos. Eles perceberam que a planta poderia ser útil no controle de uma infestação de carrapatos que o campus enfrentava, por ser uma escola agrotécnica.
Carolina, que pesquisa a questão da gordofobia através do cinema no projeto “Cinema e ciência na produção de ensaios filosóficos”, também conta que o que motivou sua pesquisa foram indagações pessoais a respeito de representatividade e preconceito por sua própria vivência como uma pessoa gorda. Para ela, a gordofobia é um assunto feminino, já que a pressão estética sobre os corpos das mulheres é maior que sobre os corpos dos homens. “Sendo mulher e sendo gorda, é uma honra para mim conseguir produzir materiais científicos sobre a gordofobia e cinema”, afirma Carolina.
Além de refletirem sobre a falta de representatividade de mulheres na ciência, as quatro pesquisadoras trouxeram em suas falas referências de mulheres cientistas para que o público se aproprie delas em seu imaginário do que é um cientista, desde a física Marie Curie, primeira mulher a receber um Prêmio Nobel, até a biomédica baiana, Jaqueline Goes de Jesus, responsável pelo rápido sequenciamento genético do novo coronavírus no país. O Congresso apresentou ao público as próprias palestrantes como referências de mulheres na ciência, que ocupam espaço nos laboratórios e na academia e pautam pesquisas que interessam a todos, mas também assuntos que interessam mais fortemente às mulheres e que nunca tiveram espaço na ciência, como a gordofobia estudada por Carolina.
Palestra com Roger Chartier discute transformações das práticas de leitura
Na tarde do dia 16, foi realizada a mesa Tecnologias da leitura e da escrita ao longo do tempo: ler, escrever e pesquisar, com o palestrante Roger Chartier. O historiador é professor Emeritus do Collège de France-Paris e professor visitante da Universidade da Pennsylvania.
Também participaram da atividade, como mediadoras do debate, as docentes e coordenadoras de Pós-Graduação do IF Baiano, Camila Duarte (Campus Itapetinga), Eliane Leite (Campus Governador Mangabeira) e Gabriele Belo (Campus Valença).
Mais de 1600 pessoas acompanharam a transmissão, iniciada às 14h.
Inicialmente, Chartier discorreu sobre os processos de mutação dos processos de leitura com o advento de novas tecnologias, como o surgimento dos livros, compostos de páginas e encadernação (que veio em substituição ao livro da antiguidade de grega, em formato de rolo), a invenção da prensa de Gutenberg até a mutação transformadora da revolução digital.
Segundo ele, com o uso do meio digital, ocorre um processo de transformação da leitura, marcada pela fragmentação textual e dificuldade de compreensão das obras em sua totalidade. “Traz uma leitura segmentada, que busca, a partir de palavras-chaves, a partir de rubricas temáticas, fragmentos textuais: um artigo num periódico, um parágrafo em um livro, a informação no website. Não se preocupa, não busca e não percebe a totalidade da revista, do livro ou do website. É uma leitura que descontextualiza, que fragmenta, que segmenta, e, desta maneira, se poderia pensar que, no mundo digital, todas as unidades textuais são como dados num banco de dados”, explicou o historiador, que também ressaltou a necessidade de não se menosprezar os novos hábitos e práticas vindas com a revolução digital.
“É uma revolução técnica, introduzindo uma nova modalidade de produção, de transmissão, de recepção dos discursos. É uma revolução morfológica que não tem nada a ver com o rolo da antiguidade nem com o códex. É uma forma de transformação que lança um profundo desafio em relação aos nossos hábitos de leitura e da escrita”, afirmou.
A partir das intervenções das debatedoras, o pesquisador também comentou sobre os efeitos das novas tecnologias nos métodos e práticas de pesquisa, nos processos de aprendizagem de estudantes em diferentes contextos sociais e com a ampliação do ensino a distância.
O encerramento da palestra contou com agradecimentos pela participação do pesquisador, uma das grandes referências atuais nos estudos sobre história da leitura, por parte das debatedoras e pela pró-reitora de Pesquisa do IF Baiano, Luciana Mazzutti.
Congresso do IF Baiano – Ensino e Pesquisa
O Congresso do IF Baiano vai até sexta-feira, 18, promovendo diversas atividades, como conferências, seminários, mesas de discussão, apresentação de trabalhos, premiações e intervenções artísticas. Para acessar as salas de transmissão do Congresso, os participantes devem consultar a programação no site do evento e clicar na atividade desejada.
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